Nos dias que correm, são muitos os "famosos", membros do jet-set, que criticam o facto dos jornalistas não os deixarem em paz, invadindo a sua privacidade. Essas mesmas pessoas são aquelas que depois precisam dos jornalistas para divulgar os seus livros, filmes ou peças de teatro.
A propósito desta matéria, o conceito de esfera pública e esfera privada das pessoas, deixo aqui um excerto do excelente livro "Os Mal-Amados" de Fernando Dacosta (Editora Casa das Letras) que é esclarecedor sobre a que ponto chegam as pessoas:
"O afã de as pessoas quererem dar nas vistas tornou-se patético. À «invisibilidade» reinante no Estado Novo ( a discrição era um timbre nas suas elites) sucedeu-se o exibicionismo da desbragação actual.
O impudor dos recém-promovidos- na política, nas artes, na cultura, na ciência, na finança, na administração- revela-se insaciável.
A comunicação social, sobretudo as televisões e as revistas sociais, ensandeceram-nos, ensandeceram-se irremediavelmente. O conceito de que só existe quem aparece (nelas) fez-se dogma e objectivo de existência. Vende-se a alma por um destaque nos media, seduzem-se (ou perseguem-se) jornalistas, provocam-se ( ou ficcionam-se) acontecimentos para o conseguir.
A intimidade, o recato, tranformam-se em negócio. A vida privada é exposta, a liberdade hipotecada, o corpo comercializado, as convicções vendidas. As cenas mais abjectas que presenciei foram feitas por pessoas para ganhar evidência. Vi políticos famosos a entregarem nos jornais entrevistas a si- fabricadas por si; autores de nomeada apresentarem recensões de críticos estrangeiros- inexistentes; jovens cançonetistas e actores horizontalizarem-se por uma notícia, uma foto, um local.
Os que dizem que «quem não aparece desaparece» deviam saber, igualmente, que «quem não aparece não aborrece». Tornou-se, na verdade, um fastio mortal ver quotidianamente (servilmente) os mesmos propagandistas do oportunismo, da mistificação, a abarrotarem éticas insufláveis, democracias instantâneas, visibilidades coloridas- e a somar contas bancárias em engorda secreta.
O tempo que nos resta não passa de um reality show transmitido em directo, em vertigem, entre ritmos, aplausos, orgias, entusiasmos fingidos por figurantes (mal) pagos por emissão."
É um texto em que vale a pena pensar.