Em tempos de crise, a demagogia regozija. OK, a responsabilidade é do mercado; OK, há demasiada especulação e aspiração megalómana no sistema financeiro. A culpa não fica, no entanto, por aqui. Há dedo a apontar ao Estado e às instituições que suporta. No caso dos EUA, não há como fugir. Com o 11 de Setembro, o FED baixou as taxas de juro para 1% para suportar a perturbação na economia. A partir daí, mergulhou-se numa espiral irreversível. As pessoas passaram a flutuar em dinheiro barato, consumindo sem receio de ressaca (o «ganhar 100 e gastar 150», como nota Henrique Raposo). Por altura da reeleição em 2004, George W. Bush encantou os americanos com a promessa de um "All-American Dream", onde as famílias prosperariam com casa, jardim e um carro ou dois. A febre do consumo propagou-se e a bolha foi-se formando, ao mesmo tempo que os incentivos para emprestar cresciam. E, pufff, as bolsas passaram a pintar-se de vermelho. Quem emprestou, agarrou-se onde pôde - carinhos e miminhos do Estado -; quem consumiu, deixou de poder fazê-lo.
Ora, trata-se tão somente do colapso de dois pecados que obcecaram a mentalidade ocidental durante anos: a luxúria e a cobiça. Não é o fim do capitalismo; quando muito, é a extinção de um capitalismo selvagem e pouco saudável - George Soros chama-lhe fundamentalismo de mercado. O catecismo marxista-leninista - morte ao espectro do neoliberalismo e blá blá - é uma ignorância contagiante e perigosa. O aristocrata gordo que se pavoneia de paletó e cigarrilha roubando dinheiro ao povo já não representa o capitalismo. Pelo contrário: o capitalismo tirou milhares de pessoas da pobreza por todo o mundo - China e Índia são o exemplo mais notório -, gerou investimento e inovação e estimulou a competitividade. Os dedos indicadores acusam; há que afinar-lhes a pontaria.